O Bicentenário da Independência do Brasil
*Por Raphael Amaral (Tim), professor do Anglo Vestibulares
Em 2013, o Museu Paulista da USP (mais conhecido como Museu do Ipiranga) fechou suas portas para realizar amplas reformas. Sua reabertura foi programada para ocorrer em setembro de 2022, precisamente durante as celebrações dos 200 anos da Independência do Brasil (1822). Um século atrás, devido às comemorações do centenário da independência (em 1922), a mesma instituição elaborou sua peculiar interpretação sobre a importância da participação paulista na formação do Brasil, enaltecendo a mitologia sobre os bandeirantes. No rico acervo histórico e artístico do Museu, o maior destaque continua sendo a pintura Independência ou Morte, feita por Pedro Américo em 1888.
Nessa obra, o artista não pretendeu atingir algum tipo de veracidade historiográfica. Ou seja, não foi seu objetivo fazer um retrato fidedigno sobre o que ocorreu em 7 de setembro de 1822, quando D. Pedro I, de passagem por São Paulo, anunciou seu rompimento com a metrópole portuguesa. Ao artista, tratou-se de elaborar uma narrativa visual virtuosa e heroica que enalteceu o gesto de ruptura do 7 de setembro como o grande marco de fundação nacional.
Esse imaginário, entretanto, foi muito além das intencionalidades do artista e pode ser notado mesmo no século XXI. Afinal, não há outra obra de arte que tenha moldado de forma tão intensa o imaginário da sociedade brasileira sobre a independência como a pintura de Pedro Américo. E a maneira como uma sociedade cultiva sua memória determina como ela constrói sua identidade. Sendo assim, quando uma narrativa limita um complexo processo histórico de independência a um único dia no qual um indivíduo (no caso, um heroico príncipe europeu) teria libertado sozinho toda uma nação a partir de seu intrépido gesto de rebeldia, o que isso diz a respeito da sociedade que celebra esse tipo de fábula infantilizada?
Além das "margens plácidas" do rio Ipiranga, em São Paulo, seria muito proveitoso também buscar entender melhor os eventos ocorridos no rio Paraguaçu, na Bahia, um dos locais de atuação da combatente Maria Quitéria na guerra de independência. Porém, quando a interpretação permanece enclausurada num conto de fadas protagonizado por um príncipe europeu libertador, qual é o espaço que resta aos eventos do 2 de julho de 1823 na Bahia? Essa data rememora a guerra ocorrida na região desde junho de 1822 (meses antes do "grito do Ipiranga), quando as tropas portuguesas que tentavam impedir a independência do Brasil foram derrotadas.
Tanto pela manutenção do regime monárquico e pela intensa utilização da escravidão negra nas próximas sete longas décadas, o país surgido em setembro de 1822 destoou do restante do continente. Sendo assim, uma memória inventada sem grandes complexidades, que insiste em individualizar rupturas históricas em determinados nomes que devem ser eternamente enaltecidos, não auxilia na compreensão das inúmeras especificidades da independência do Brasil e toda a desmesurada violência que abasteceu a posterior construção do Estado nacional, unificado territorialmente sob a autoridade da dinastia de Bragança.
Qual evento ocorrido em 2022 demonstra com precisão o que significa ser o Brasil? Imaginando um futuro, que Brasil seria interessante que fosse celebrado daqui a cem anos, em 2122? No presente, nesse bicentenário da Independência, os questionamentos sobre qual tipo de país tem sido construído desde 1822 (assim como quais foram os setores da sociedade que fartamente se beneficiaram das estruturas de poder estabelecidas desde então) provavelmente sejam mais relevantes do que realizar um conjunto de celebrações tão ruidosas quanto incapazes de significarem algo que aprimore as reflexões sobre o que fazer com esse Brasil.
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