Vícios de linguagem: ambiguidade
Por Daniel Fonseca, professor do Anglo Vestibulares
Há alguns anos, ao abrir o site do Yahoo, deparei-me com a manchete "Schahin confirma propina de US$ 2,5 milhões a Moro". O famoso juiz teria recebido milhões indevidamente? Vale lembrar que isso ocorreu antes do escândalo conhecido como "Vaza Jato", que lhe maculou a reputação. Ansioso para saber o que tinha acontecido, cliquei no link de acesso à notícia. Então descobri que interpretara a frase erroneamente. O sentido pretendido, sem a ambiguidade do original, seria o de ele recebera a confirmação, não a propina: "Schahin confirma a Moro propina de US$ 2,5 milhões [dada a diretores da Petrobrás]". Não sabia o que pensar: o duplo sentido seria proposital, para despertar mais interesse e gerar mais acessos? Ou seria distração do redator? Até hoje não sei a resposta, mas me lembro bem do dissabor que senti por me julgar enganado.
Esse é um exemplo do impacto negativo de um vício de linguagem. Recebe esse nome um amplo leque de desvios da norma-padrão, que acabam por prejudicar a comunicação, ao criar ruídos ou inadequações. E a ambiguidade é o vício de linguagem mais frequente nos exames vestibulares, nos quais se encontram muitas formas de explorar esse fenômeno: pedir ao candidato que indique quais são os sentidos possíveis de um enunciado, ou que aponte o sentido almejado pelo falante, ou ainda que reescreva o enunciado de modo a corrigir o problema.
Uma questão do Enem, por exemplo, inteligente e mesmo espirituosa, tem como base a manchete: "Campanha contra a violência do governo do Estado entra em nova fase". Trata-se de uma campanha do governo do Estado? Ou da violência dele? O estudante tinha de apontar a alternativa capaz de expressar o significado pretendido pelo veículo de comunicação. Algumas alternativas beiravam o cômico, por serem pouco verossímeis: "A violência do governo do Estado entra em nova fase de Campanha" ou "Campanha contra o governo do Estado entra em nova fase de violência". A alternativa correta, como é de se esperar, afirmava que a campanha do governo do Estado contra a violência havia entrado em nova fase.
Importante salientar também que a ambiguidade nem sempre é um vício de linguagem. Muitas vezes, ela é recurso que confere expressividade a canções, poemas e peças publicitárias, e é capaz de gerar humor em textos e tirinhas. Essa faceta, a da ambiguidade como aspecto que enriquece a comunicação, é até mais frequente nas provas contemporâneas. O mais recente exame de acesso à Universidade de São Paulo trouxe excelente exemplo disso. O candidato tinha de apontar dois sentidos da expressão "É fogo!", em uma postagem do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia:
Neste texto, a ambiguidade é intencional. A frase, em seu sentido literal, chama a atenção para o tema da live: as queimadas. Já em sentido não literal, é uma expressão equivalente a "é difícil", "é complicado". Ou seja, apresenta-se o tema da live e, simultaneamente, revela-se a posição crítica do IPAM: as queimadas constituem problema grave, que precisa ser combatido. A ambiguidade, aqui, não é vício. É virtude.
Voltaremos a tratar de outros vícios de linguagem e de sua presença nos exames. Até breve!
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