Para que serve a filosofia?
Por Felipe Leal, professor do Anglo Vestibulares
A ideia de retirar a obrigatoriedade da filosofia no ensino médio, que chegou a estar presente nas discussões sobre a última reforma do ensino médio, foi derrotada após significativa resistência da sociedade. Ainda bem. Afinal, a filosofia pode auxiliar de maneira decisiva em uma educação voltada para lidar com desafios dos nossos tempos, estando longe de representar um luxo que atrapalha o necessário ou uma doutrinação que impede o pensamento.
Alguns defendem que de nada adianta ensinar Platão e Descartes a estudantes que sequer dominam a compreensão de texto e operações matemáticas básicas. Argumento falacioso, pois pressupõe uma separação rígida entre competências e habilidades que, de fato, estão integradas. Senão vejamos. O Enem requisita a elaboração de uma dissertação argumentativa, com exigência de recurso a repertório cultural próprio. Ora, é na tradição filosófica que se encontrarão as dissertações mais exemplares da história, bem como os conceitos que permitem informar melhor muitas discussões. E que dizer da matemática, que, do teorema de Pitágoras ao plano cartesiano, poucas vezes esteve separada da filosofia? O ensino da lógica, por exemplo, pode ser tanto um pressuposto como um auxílio na compreensão e resolução de problemas matemáticos.
E essa correlação com outras matérias não é a única contribuição da filosofia. Ela também é fundamental para a formação do pensamento político autônomo – uma urgência de nossos tempos. Muito se fala, hoje, de novas formas de manipulação política, sobretudo por meio das novas tecnologias digitais. O entendimento básico sobre tendências políticas como o socialismo e o liberalismo contribui para que internautas não sejam capturados por discursos fáceis, que se valem da ignorância e de vieses cognitivos para apresentar generalizações toscas como visões filosóficas sérias. Ensinar filosofia não é doutrinar, e sim formar as bases que evitam a doutrinação, favorecendo a formação de indivíduos que saibam se posicionar e debater, dialogando com a tradição e, quem sabe, fazendo-a um dia avançar.
Algo análogo se dá quanto à ciência. A desinformação pressupõe ausência de critérios, de um senso crítico capaz de separar o que é científico do que não é. De Bacon e Galileu a Popper e Kuhn, os fundamentos da filosofia da ciência são vacinas contra a infodemia dos nossos tempos. Mais do que isso, é a filosofia que permite pensar para além do método, distinguindo um uso instrumental da razão (preocupado com os meios de dominação da natureza e do ser humano) de um uso crítico (preocupado com a emancipação humana), como se vê nas importantes discussões sobre bioética. Sem filosofia, as ciências podem ser moralmente cegas e, por isso, até perigosas.
Sendo assim, não devemos dizer que ainda é importante ensinar filosofia nas escolas, e sim que sobretudo hoje é fundamental fazê-lo, como talvez em poucos momentos da história recente. E as supostas preocupações com o "ensino do básico" e a "doutrinação" deveriam ter a coragem de explicitar o que maquiam tão bem em seus discursos: a preocupação quanto a um ensino crítico e plural, capaz de formar uma juventude que pensa por si mesma.
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