Os mistérios de Nove noites
*Por Fernando Marcílio, professor de Literatura do Anglo Vestibulares
A nova lista de leituras obrigatórias para os vestibulares da Fuvest 2021 traz três novidades, em relação à lista anterior; mas não se pode dizer que as três novas obras tenham tido a mesma repercussão entre os estudantes: "Campo geral", Romanceiro da Inconfidência e Nove noites. A novela "Campo geral", de Guimarães Rosa, entrou no lugar de Sagarana, do mesmo autor, o que diminui um pouco o impacto da novidade; a narrativa trata da infância de Miguilim, contada com o sabor irresistível da linguagem roseana. O livro Romanceiro da Inconfidência foi escrito por Cecília Meireles e apresenta duas referências relativamente familiares aos alunos: a autora e o episódio da Inconfidência Mineira de 1789. Sendo assim, a maior novidade da lista fica por conta de Nove noites, romance do escritor Bernardo Carvalho, nosso contemporâneo. Talvez o aparecimento desse título tenha provocado interrogações do tipo: "Que livro é esse?" "Quem é esse autor?" "É do Realismo?"
Apesar desse estranhamento hipotético, o romance traz alguns dos ingredientes capazes de atrair e envolver leitores que apreciem histórias que mantenham um pé na vida real e que ainda apresentem algumas doses de mistério e aventura. O enredo de Nove noites parte de um fato histórico: o suicídio, em plena floresta amazônica, do antropólogo americano Buell Quain, ocorrido em 1939, que virou até notícia de jornal na época, embora sem muito destaque. O mistério fica por conta do desconhecimento das causas que levaram o cientista ao suicídio; e, na tentativa de solucioná-lo, o narrador se aventura por alguns lugares, inclusive a floresta que serviu de cenário à morte de Quain.
Contudo, talvez a maior dose de aventura e de mistério esteja na própria leitura da obra. Na perseguição de respostas para as perguntas que faz, o narrador acaba encontrando mais perguntas, sendo que algumas delas dizem respeito a ele próprio. Dessa forma, a busca pelo conhecimento da vida de uma pessoa acaba se transformando em busca de autoconhecimento. E talvez haja mais sombras na vida desse narrador do que naquela morte que ele tenta tirar das sombras. Mas que não se pense que essa jornada se limite a circunstâncias individuais: episódios de repercussão mundial, como guerras e atentados, também fazem parte do enredo, e exercem influência sobre ele. Assim, a ficção é devolvida para a história de onde, afinal, ela partiu.
Para tornar a aventura ainda mais emocionante, saiba o leitor que existem muitas coincidências entre os fatos da vida desse narrador e a biografia do autor do romance, Bernardo Carvalho. Na capa de algumas edições do livro, há um índio de mãos dadas com um menino, em um cenário que parece ser uma aldeia. Esse menino é o próprio autor, que, de fato, visitou a floresta na infância. A mesma onde vai parar seu narrador. A mesma em que se suicidou Buell Quain.
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