Sobre a grafia do porquê
*por Francisco Platão Savioli, autor do Sistema Anglo de Ensino
Uma primeira informação: entre 1000 palavras escolhidas aleatoriamente em questões de provas sobre ortografia, o porquê é o campeão disparado de frequência estatística.
Confira no gráfico reproduzido a seguir, que selecionou as 20 primeiras:
Esse levantamento mostra que: a grafia do porquê corresponde a 1/4 das 20 questões mais incidentes.
Uma segunda informação: a grafia do porquê não é uma questão pura de ortografia. Prova disso é que não se resolve com mera consulta a dicionário.
Fundamentos para efeito de condução do raciocínio:
- é necessário detectar se são duas unidades distintas, portanto separadas; se são duas unidades reduzidas a uma só, portanto juntas.
- se o quê é tônico, portanto acentuado; se é átono, portanto sem acento.
1º movimento:
Por que como duas unidades, em frases interrogativas.
Partindo de uma hipotética pergunta:
Políticos trocam de partido por dinheiro?
Núcleo da pergunta: dinheiro é a causa da troca de partidos?
Que operação linguística foi acionada para construir esse sentido?
A expressão por dinheiro está associada ao verbo (trocam) por meio de uma preposição (por), que estabelece uma relação de causa.
Imagine agora que o enunciador não queira fazer a pergunta concentrada numa causa específica, para dar mais liberdade de resposta ao interlocutor.
Que recurso a língua oferece para essa mudança de estratégia? A língua permite trocar uma palavra de sentido restrito (dinheiro) por outra de sentido indeterminado, o pronome interrogativo (que).
Obtém-se, com isso, uma pergunta de sentido mais amplo, com a mesma estrutura do modelo anterior:
Esse encadeamento de raciocínios permite concluir a regra que se vê resumida nos manuais didáticos:
1. No final de frases interrogativas, por quê é separado e com acento.
Em posição final de frases interrogativas o quê é sempre tônico, e monossílabos tônicos terminados por e são acentuados. Uma dica: quando o e é uma vogal tônica não soa como i, nem na fala informal.
A mesma operação linguística dá origem a este enunciado:
O sentido se manteve, com uma única diferença: a locução adverbial (por que) saiu da posição final. Por capricho da língua, o que passou a ser pronunciado como átono. Deslocado da posição final de frases interrogativas, o que é átono, e monossílabo átono não tem acento.
Vai daí a segunda síntese didática:
2. Fora da posição final das interrogativas, por que é separado e sem acento.
Há um outro modo de fazer a pergunta:
O sentido interrogativo se mantém, com uma diferença: a interrogação é feita de maneira, digamos, indireta. Encaixa-se a oração interrogativa como complemento de um verbo ou expressão que indica pergunta: pergunto, responda, quero saber, diga, etc. Essa estratégia permite que o enunciador faça a pergunta de um modo mais polido ou mais descortês, conforme a escolha do verbo que introduz a pergunta.
Pode-se enunciar essa terceira regra, assim:
3. Nas frases interrogativas indiretas, por que é separado e sem acento.
2º movimento:
preposição por + que, pronome relativo
Ainda nessa estrutura se percebem duas unidades distintas: a preposição indicadora de causa se mantém (por), mas o pronome passa a ser outro: é um anafórico, que tem como referência uma palavra da oração anterior (razão). Prova disso é que a expressão pode ser permutada por outra de sentido equivalente (pela qual). [Só é preciso entender que, seguida de artigo, a preposição por assume a forma arcaica (per), o artigo assume a forma, também arcaica, (la). Per + la sofre alteração de pronúncia: pela, mas o sentido continua o mesmo. O pronome relativo que, assumindo a forma a qual tem uma vantagem: por meio da concordância, percebe-se, com mais clareza, que ele tem como referência uma palavra feminina da oração anterior: razão].
Quarta dica:
4. Quando se trata da preposição por + que, pronome relativo, a expressão se escreve separada e sem acento.
3º movimento:
porque constituindo uma só unidade
Nesse enunciado, não é possível segmentar porque em duas palavras com função e sentido diferentes. Há uma só, que está ligando duas orações entre si, estabelecendo uma relação de causa. É uma conjunção causal e tem o sentido de visto que, já que.
No enunciado a seguir, porque é também uma palavra só:
Não vote em políticos desconhecidos, porque vão decepcioná-lo.
Nesse caso, porque está ligando duas orações entre si, com uma diferença: está estabelecendo uma relação explicativa, que consiste em agregar um argumento, por meio do qual o enunciador tenta justificar o que está afirmando na oração anterior. É uma conjunção explicativa e equivale a pois.
Pode-se, então, incluir os dois casos numa só regra:
Quando porque funciona como conjunção, sempre se escreve junto e sem acento (o e é átono: na fala informal pode soar como i).
4º movimento:
porquê junto e com acento
Não queira saber o porquê de todas as coisas.
Nessa frase, também não é possível segmentar porquê em duas palavras com função e significado distinto. É um substantivo de sentido equivalente a motivo. Vem sempre precedido de artigo ou palavra modificadora (o, um, algum, nenhum, etc.), é escrito junto, porque é uma única palavra, e com acento, pois o e é tônico.
Outros exemplos:
O advogado usou um porquê sem nenhuma relação com a causa.
Não ficou nenhum porquê sem explicação.
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