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De que modo o Brexit já está mudando a Ordem Mundial?

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18/09/2017 11h07

"We are leaving the European Union, but we are not leaving Europe" ("Nós estamos deixando a União Europeia, mas nós não estamos deixando a Europa"). Este  trecho faz parte da carta eviada pela premiê britânica Theresa May  ao Donald Tusk, presidente do conselho europeu, em 29 de março deste ano. Assim teve início formalmente o processo de retirada do Reino Unido da União Europeia. As negociações do "divórcio" deverão ser finalizadas em março de 2019, como prevê originalmente o artigo 50 do Tratado de Lisboa (documento formulado há dez anos,que determina como pode ocorrer a retirada de um estado membro do bloco). Porém, muitos acreditam que dois anos não serão suficientes para concluir o inédito processo, que deverá ir além desta década.

A carta de May reflete a vontade dos habitantes do Reino Unido manifestada em junho do ano passado no polêmico referendo em que os eleitores ingleses foram convocados a responder a seguinte questão: "Deve o Reino Unido permanecer como membro da União Europeia ou sair da União Europeia?". Como já é de conhecimento notório, a opção "Sair" venceu com uma pequena vantagem de 1,2 milhões de votos sobre a opção "Permanecer", em um universo de 33,5 milhões de votos válidos.

A vitória do "Brexit" (abreviação das palavras "Britain" e "exit" que deriva do neologismo "Grexit", indicador de uma possível saída da Grécia da Zona do Euro) sobre "Bremain", no referendo, forçou o parlamento britânico a aceitar a saída do Reino Unido da União Europeia, assim como trouxe uma série de questões acerca do momento atual e das suas possíveis consequências não só na Europa, como também no sistema mundial. Podemos destacar quatro grandes tendências globais relacionadas ao fenômeno "Brexit" que ganharam forma nesta década e possivelmente se manterão no decorrer dos próximos anos.

  1. A emergência da Era da Pós-Verdade

Pós-Verdade ("Pos-Truth") é um termo originado nos anos 1990 que ganhou grande destaque a partir de dois momentos do ano passado: o referendo pela saída do Reino Unido da União Europeia e a eleição presidencial norte-americana.

O dicionário Oxford elegeu o termo como a principal palavra de 2016 e assim o definiu: "relacionar ou denotar circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal" (tradução livre de "relating to or denoting circumstances in which objective facts are less influential in shaping public opinion than appeals to emotion and personal belief").

Além da menor importância dada aos fatos concretos no entendimento da realidade que o uso da Pós-Verdade sugere, devemos observar a importância da difusão de boatos, das "fake news" e da criação dos "fatos alternativos" compartilhados via redes sociais e que potencializam o alcance da Pós-Verdade, desorientando a opinião pública, principalmente em períodos eleitorais. A vitória do "Brexit" pode ser, em parte, creditada à difusão da falsa informação de que o custo de manutenção do Reino Unido na União Europeia era de 350 milhões de libras semanais.

  1. A polarização das sociedades

 

O relatório "Global Risks Report 2017", do Fórum Econômico Global, publicado em janeiro deste ano, às vésperas da reunião anual do Fórum em Davos, na Suiça, aponta a polarização das sociedades como um dos grandes riscos globais atuais. Nas palavras do relatório: "As questões de identidade e cultura foram fundamentais para os dois resultados políticos ocidentais mais dramáticos de 2016, no Reino Unido e nos Estados Unidos.". Os resultados eleitorais se devem a "uma reação entre eleitores mais velhos e menos educados que "se sentem marginalizados em seus próprios países" devido à mudança de valores em sua tradição – por exemplo, questões de identidade de gênero, raça, multiculturalismo, proteção ambiental e cooperação internacional".

O resultado apertado do referendo britânico é um indicador claro dessa polarização dos dias atuais. escoceses e norte-irlandeses votaram em maioria pela manutenção do Reino Unido na União Europeia (2,1 milhões de votos para "Bremain" contra 1,3 milhões para "Brexit"), mas foram calados por uma massa de eleitores ingleses, formada principalmente por conservadores e idosos, que depositou 15,1 milhões de votos em nome da saída do bloco.

  1. A aversão à imigrantes não afeta somente quem é proveniente do "Sul"

 

Desde meados da década de 1990, a chamada migração líquida, que considera a imigração menos a emigração, vem crescendo no Reino Unido e o número de imigrantes, segundo dados do Migration Observatory da Universidade de Oxford, saltou de 3,8 milhões para 8,7 milhões, entre 1993 e 2015, passando de 7,0% para 13,5% da população total.

Uma parte significativa desse fluxo migratório se deve a pessoas vindas de países pertencentes à União Europeia, destacando-se os grupos provenientes do leste europeu, que intensificaram sua chegada após o alargamento da União Europeia ocorrido em 2004. O maior grupo de residentes nascidos fora do Reino Unido é de poloneses, que totalizam 9,5% do total, seguidos por indianos (9,1%), paquistaneses (5,9%), irlandeses (4,5%), alemães (3,3%) e romenos (2,6%).

A oposição de grande parte da sociedade britânica à imigração, tanto de pessoas oriundas da União Europeia, quanto de fora do bloco, ajuda a explicar a vitória dos "brexiteers". A pequena cidade de Boston, localizada no nordeste da Inglaterra, ficou conhecida como epicentro do "Brexit" por estabelecer a vitória local com 77% dos votos. Sua população de 64 mil habitantes cresceu em ritmo acelerado na última década devido à recente imigração proveniente do leste europeu, assim 13% do total de habitantes é de europeus não naturais do Reino Unido.

  1. A desglobalização

 

Em oposição a Boston, capital de "Brexitland", encontra-se "Londonia", ou seja, Londres, que curiosamente concentra quase 40% de todos os imigrantes que vivem no Reino Unido, mas que votou em sua maioria pela permanência na União Europeia. A cidade global britânica manifestou-se explicitamente a favor da manutenção do Reino Unido na União Europeia durante e após o referendo, com manifestações reivindicando o "Exit from Brexit". Porém, o referendo foi decidido por eleitores que se sentem excluídos do processo de globalização que impulsionou a economia da cosmopolita Londres nas últimas décadas.

O crescimento da desigualdade, a estagnação salarial e a insegurança perante as mudanças propiciadas pelos avanços tecnológicos criaram ressentimentos de parte da classe trabalhadora (empregada ou desempregada) em relação aos possíveis efeitos negativos da política econômica britânica das últimas décadas, que inclui a integração econômica com o continente e com o mundo.

Além da repulsa aos pretensos efeitos maléficos da interdependência econômica, das mudanças tecnológicas e da intensificação de fluxos internacionais, ocorre um avanço de movimentos nacionalistas na Europa, como se observa em diversos países: França, Alemanha, Espanha, Hungria, Polônia, Grécia e, é claro, Reino Unido, onde mesmo uma importante liderança do tradicional partido conservador, como o ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, chegou a afirmar que a União Europeia é uma nova tentativa de se criar um superestado europeu aos moldes do que "Napoleão Bonaparte ou Adolf Hitler tentaram".

Os revezes econômicos globais que foram identificados na última década, notadamente a partir da crise econômica de 2008, podem estar originando uma "desglobalização" comercial e financeira que, nos últimos anos, afetou o ambiente político dos Estados Nacionais, que adotaram medidas de protecionismo comercial e de restrição à imigração, confirmando medidas de oposição à globalização. Tais medidas são, em grande parte, apoiadas pela sociedade, que vive um mal-estar por conta das mudanças geradas pela interdependência econômica global (ou regional, no caso da UE) e assim se manifesta através do voto.

 

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O Dicas de Vestibular é produzido e atualizado pelos professores do Anglo Vestibulares e do Sistema Anglo de Ensino.

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