A nova crise do Suez
Por Augusto da Silva, professor do Anglo Vestibulares
O comércio mundial sofreu um abalo incomum em março de 2021. Apenas uma embarcação teve a capacidade de gerar uma imensa crise no tráfego marítimo, possibilitando diversas reflexões sobre a cadeia produtiva e a circulação de mercadorias em escala planetária.
Claro que a crise não foi promovida por uma embarcação qualquer. O navio em questão é um porta contêiner gigantesco, o Ever Given, capaz de carregar até 20 mil contêineres — caixas metálicas usadas no transporte seguro e eficiente de mercadorias pelo mundo todo. Também é verdade que esse imenso navio não encalhou num lugar qualquer. Ele ficou atravessado no canal de Suez, suspendendo por uma semana a navegação pela estratégica rota marítima que conecta o mar Vermelho ao Mediterrâneo, deixando mais de 100 embarcações paradas nas entradas do canal, esperando a liberação da travessia. O acidente causado pelo meganavio, com seus 400 metros de extensão, impediu o tráfego nas duas direções, gerando imensos prejuízos nas cadeias de suprimentos mundiais, que já tinham sido profundamente atingidas pela crise do novo coronavírus.
Importante destacar que o canal de Suez é uma das principais vias da navegação mundial, onde todos os anos circulam cerca de 12% dos produtos comercializados no planeta. Passagem vital que interliga as fábricas localizadas na Ásia e o rico mercado europeu, sendo também um importante caminho para o comércio do petróleo extraído do Oriente Médio. Estimativas dão conta de que o engarrafamento de navios na região promoveu prejuízos de US$ 9,6 bilhões (mais de R$ 53 bilhões) em mercadorias por dia.
Localizado no Egito, esse canal é uma rota de navegação artificial, construído em meados do século XIX por uma companhia francesa. Até o século XX, como um legado do processo colonizador, eram potências europeias (Inglaterra e França) que dominavam e lucravam com a importante via comercial. Antes da sua construção, a maioria dos navios que faziam a rota entre Europa e Ásia precisavam contornar o continente africano. O canal encurtou essa viagem em aproximadamente 7 mil km, tornando essas relações comerciais mais rápidas e lucrativas. Em 1956, o canal foi o ponto central de um conflito denominado Guerra do Suez, envolvendo Egito, Israel e nações europeias. No final da guerra, o governo egípcio passou a ter o controle oficial dessa passagem marítima, situação mantida até os dias atuais.
A recente crise do Suez demonstra que a atual fase da globalização tem boa parte das atividades comerciais girando em torno de cadeias de suprimentos em escala planetária. Hoje, boa parte da produção fabril ocorre em países asiáticos, onde os custos de produção são menores. Somado a isso, nas últimas décadas predominou a adoção da fabricação "just in time" (produção sem estoques), reduzindo os custos nos processos de armazenamento e utilizando a indústria da navegação mundial para suprir as demandas dos consumidores. Foi nesse cenário que um navio encalhado demonstrou claramente como a interdependência global é imensa, revelando fragilidades impensadas sobre os fluxos de abastecimento planetário.
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