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Carnaval e o Grito Possível

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14/02/2018 14h18

Desde as primeiras celebrações do carnaval propriamente dito no Brasil, ainda no século XIX, as clivagens sociais se fizeram presentes, com elites regionais tentando impor seus padrões civilizacionais eurocêntricos sobre festas populares moldadas acentuadamente por culturas afro-brasileiras, seja no frevo de Pernambuco, seja nos blocos da Bahia, assim como nos sambas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Historicamente, as celebrações do carnaval remetem à Roma Antiga, com rituais festivos marcados pela subversão da ordem entre escravos, plebeus e outros grupos sociais. Na Idade Média, a hegemonia da Igreja Católica sobre o continente europeu não impediu que essas festividades ocorressem. O relaxamento da ordem e dos costumes foi acompanhado de perto por membros da hierarquia eclesiástica, que pretendiam coibir (nem sempre com muito sucesso) extravagâncias excessivamente pecaminosas.

O Entrudo foi uma dessas celebrações medievais, realizadas também em Portugal, que aportaram no Brasil Colonial a partir do século XVIII. Já no século XIX, no Rio de Janeiro, diferentes classes sociais brincavam nessas festas, organizando sociedades carnavalescas que desfilavam pelas ruas em blocos temáticos com foliões fantasiados ou meramente mascarados. A algazarra popular rompeu as pretensões de que esses desfiles fossem simplesmente uma cópia oca dos carnavais de Paris ou Veneza. No Entrudo, foram comuns agitações motivadas por gente que arremessava baldes de água na multidão ou algum líquido mais viscoso de origem duvidosa.

A associação dos carnavais com determinados gêneros musicais regionais (como foi feito com o samba, o maracatu, o frevo e outros ritmos assentados em ancestralidades afro-brasileiras) iniciou-se no século XIX, mas ganhou força no século XX, a partir de Getúlio Vargas e seus intentos em moldar uma pretensa identidade nacional.

Ao longo dos séculos XX e XXI, o crescente poder dos oligopólios das corporações vinculadas aos meios de comunicação, juntamente com sucessivos governos, fizeram com que os carnavais fossem gradativamente utilizados para consolidar a fantasia de um país moldado pela alegria eterna, com um povo feliz, sem espaço para conflitos étnicos, sociais e econômicos.

Acompanhando essa ideia artificial, consolidou-se ainda a hipersexualização dos corpos (principalmente de mulheres negras), reforçando estereotipias de origem coloniais, nas quais, se "não existe pecado ao sul do Equador", quaisquer tipos de abusos tendem a ser tolerados.

Desde suas primeiras celebrações no Brasil, as festividades dos carnavais envolvem diferentes formas de se apropriar do espaço público. Por um breve momento, esse espaço deixa de ser determinado pelo racionalismo e pelas lógicas do universo do trabalho. Ocorre a ascensão do lúdico contestatório, com autoridades sendo detratadas através do riso, do canto, da dança e da música, em rituais de subversão que rompem com códigos morais imperantes ao longo do ano. São aspectos do cotidiano que não esperam apenas o carnaval para aflorarem, mas que, nesse momento, passam a se mobilizar conjuntamente em função de uma mesma catarse multifacetada.

Essas inversões da ordem são alvos de constantes esforços para silenciá-las. Autoridades governamentais, forças policiais, grupos religiosos contrários às celebrações carnavalescas, corporações dos meios de comunicação que mercantilizam as festas de todas as formas possíveis, enfim, as mais variadas forças atuam para enclausurar o carnaval em determinados confinamentos nos quais hierarquias se sobreponham ao espontâneo e ao imprevisível.

Os carnavais no Brasil, portanto, desde suas origens, carregam essa tensão de, simultaneamente, confrontarem e dialogarem com os grupos que preferem a ordem e o silêncio. Suas subversões são um grito. E, mesmo que simbólico, é o grito possível de quem não cabe no camarote do sambódromo, nem no abadá customizado, mas prefere dançar com a baderna no meio da rua. Afinal, de que serviriam os quarenta dias de resguardo e contenção entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa se não fossem excessos carnavalescos?

Sobre os Autores

O Dicas de Vestibular é produzido e atualizado pelos professores do Anglo Vestibulares e do Sistema Anglo de Ensino.

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