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Nosso cinema: nossa história, angústias e deleites

Dicas de Vestibular

21/06/2021 10h44

Por Eloy de Souza, professor do Anglo Vestibulares

No dia 19 de junho, comemora-se o dia do Cinema Brasileiro. Nessa data, em 1898, o ítalo-brasileiro Afonso Segreto aproveita o equipamento de filmagem que trazia da Europa e realiza, ainda do navio, as primeiras imagens em movimento do país Uma vista da Baía de Guanabara. Polêmicas à parte sobre ser esse ou não o primeiro filme produzido entre nós, o fato mais significativo é a historiografia nacional ter escolhido uma filmagem como marco fundador do nosso cinema – diferentemente do cinema mundial, cujo evento escolhido para simbolizar o nascimento da Sétima Arte foi o da primeira exibição pública, aquela famosíssima feita em 1895 pelos irmãos Lumière em Paris.

A preferência pela produção de imagens no lugar da exibição (e no Brasil os primeiros filmes – todos estrangeiros – foram exibidos já em 1896) vale como um manifesto: o cinema brasileiro se faz com filmes aqui produzidos e para a nossa realidade voltados. Num país cujo público de cinema costuma menosprezar a produção nacional, isso serve também como uma advertência: se quisermos ter o cinema não apenas como um meio de desfrute, mas também de reflexão, incluindo aí sentir e pensar a realidade do país, precisamos estender as mãos e dirigir o olhar para os nossos filmes. E isso não é um gesto caritativo, antes deve ser visto como interessado, pois há muito o que ganhar.

Ao lado do que possa haver de universal nas histórias contadas nas telas, é possível divisar também a cor local, os valores, as referências, as especificidades da realidade geográfica e do olhar dos realizadores (roteirista, diretor, ator…). Se, por exemplo, em Atentado ao pudor, de André Cayatte (França, 1967), "A caça", de Thomas Vinterberg (Dinamarca, 2012), e A teus olhos, de Carolina Jabor (Brasil, 2018), temos um tema em comum, o da suspeita de um professor pedófilo, somente neste último a realidade da classe média urbana brasileira é retratada. Se os dois estrangeiros são uma "janela" para o vislumbre de locais diferentes do nosso, sendo o francês também uma "viagem no tempo", o brasileiro é o que traz o problema para o nosso "quintal", e seus personagens e dramas podem até nos perturbar de forma mais contundente, por evocarem pessoas conhecidas e situações vividas. E fica sempre nessa perspectiva comparativa o desafio analítico – no que, para além da ambientação, essa história é caracteristicamente brasileira? De que modo nossa especificidade molda esse drama sem fronteiras?

Para o vestibulando, os ganhos proporcionados pela cultura cinéfila já foram abordados em artigo anterior. Os filmes contribuem significativamente para o enriquecimento do repertório, seja os que retratam fatos históricos, realidades geográficas (físicas ou humanas) e conceitos científicos; seja os que fazem adaptação de obras literárias; seja os que figurativizam e discutem questões candentes como pedofilia, aborto, pena de morte, e outras não menos importantes como solidão, fraternidade, escolhas éticas. Assim, todas as matérias, em especial a redação, se beneficiam com a prática de se assistir a bons filmes. Nessa perspectiva, o cinema brasileiro contribuirá com o seu quinhão, discorrendo sobre nossa história e sobre o nosso modo de ser.

Além disso, a força evocativa das imagens pode conferir uma emblemática expressão aos nossos dramas e alegrias coletivos, expressão que impacta a retina e se eterniza na memória afetiva. Essas imagens podem ser levadas descritiva ou narrativamente para a dissertação como argumentos ou ilustrações de argumentos. Vejamos três exemplos.

O aparato repressivo da ditadura militar já foi analisado em excelentes livros, mas uma das imagens mais reveladoras dessa brutalidade é a do personagem Jofre (Prá frente, Brasil – 1982) que, seminu e ferido, foge em câmera lenta do cativeiro. Imagem que acalenta o espectador, até que um jipe com os torturadores o alcança, e é a risada debochada e sádica deles, alimentada pelo desespero vão daquele homem, que torna bem nítida a atrocidade que foi aquele período e a desumanidade de seus algozes.

Ainda, o flagelo nacional dos menores abandonados e da delinquência juvenil está cruamente à mostra nas ruas dos grandes centros do país, mas, quando Pixote responde inesperadamente como criança ao convite da prostituta/golpista Sueli para ser o seu "machinho" (Pixote, a lei do mais fraco – 1981) e suga-lhe o seio, não de forma sensual, mas como uma criança, despertando nela dolorosos sentimentos maternos, temos o retrato da infância e da maternidade violadas e perdidas.

Por fim, a dificuldade das mães solteiras de pouca instrução em sustentar um lar é representada por Manuela (Tati – 1973), que se muda do subúrbio e tenta se instalar em Copacabana para que ela e a filha possam desfrutar das benesses da Zona Sul carioca. O aluguel e o custo de vida altos do bairro, contudo, lhe imporão exaustivas horas extras sobre a máquina de costura. Mas Tati, sua filha de 6 anos, apenas brinca, gozando perigosamente de uma liberdade que a extrema ocupação da mãe lhe propicia. Temos, então, a prazenteira cena em que Tati, que é branca, e outra garotinha negra de mesma idade se deliciam nas águas de uma das praias mais famosas do mundo, sem barreiras econômicas, sociais ou raciais, ou, pelo menos, sem que as crianças as sintam. É uma cena bela que enternece o espectador, mesmo sem apagar o drama vivido pela mãe.

São essas imagens que, como dizem Caetano e Gil, "nos formaram e estão a nos formar" (Cinema Novo – 1993). Expressões de sensibilidade, fontes de emoção, matéria de reflexão – nossos filmes e suas imagens são o nosso patrimônio e poderão ser um auxílio significativo nos desafios do vestibular.

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