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MENSAGEM, de Fernando Pessoa, para estudantes solitários e exaustos

Dicas de Vestibular

06/07/2021 14h08

Por Maurício Soares Filho, professor do Anglo Vestibulares

Sísifo é o mito grego que, acusado de ofender aos deuses, é condenado a empurrar todos os dias uma imensa pedra até o ponto mais alto de um monte para que, em seguida, ela role de volta montanha abaixo. É assim que temos vivido. Em um tempo sem perspectivas de futuro, mergulhados em uma realidade distópica que nos dá muito pouca esperança, cercados de morte e descaso, e sem políticas públicas de saúde e de educação minimamente eficientes. Privados do calor da convivência, impedidos de nos aproximarmos uns dos outros, enfrentamos solitários a constante ameaça de um vírus que obriga aqueles que sobrevivem a enfrentar uma das maiores crises econômicas da história do país. E continuamos. Acordamos todos os dias e empurramos novamente a pedra até o topo da montanha, de onde ela insiste em voltar incessantemente. Vale a pena?

Fernando Pessoa, em Mensagem – único livro em português que o autor publicou em vida,  contemplado com o segundo lugar em um concurso de poesia nacionalista em 1934, cujo prêmio foi sua publicação –, acredita na redenção do povo português, outrora glorificado por conquistas ultramarinas e, na época da redação e publicação do livro, atravessando um período de crescente caos político e graves problemas econômicos. A obra é definida como uma "epopeia lírico-subjetiva", composta de 44 poemas nos quais o autor assume uma perspectiva místico-nacionalista, baseada na crença do retorno de D. Sebastião, monarca desparecido desde 1578, que, para os sebastianistas, faria valer a profecia bíblica do profeta Daniel da formação do Quinto Império, no qual o poder divino seria materializado para sempre. Segundo a interpretação de Antônio Vieira, esse império seria Portugal.  Mensagem de fé e otimismo sobre os destinos de um povo maltratado, oscilante entre as glórias passadas da pátria e um futuro enevoado que ainda custaria muitas batalhas até se delinear.

A presença do autor modernista português na lista de leitura obrigatória do maior vestibular do país é sempre um presente. A oportunidade para o jovem leitor mergulhar no universo pessoano e buscar compreender o pensamento filosófico em que se baseia sua obra  – tanto ortônima como heterônima –, tem o potencial de transformar concepções a respeito de poesia e literatura. Mas a escolha de Mensagem, neste momento da história brasileira, tem um significado especial. Obra recheada de mitos e símbolos do passado histórico português, sua compreensão exige que o leitor conheça mais do que a história real dos heróis da pátria já apresentados por Camões. Os poemas de Mensagem abordam as motivações subjetivas e os questionamentos implicados na construção das conquistas dos mares e de terras até então desconhecidas pelos portugueses. Heróis de batalhas sangrentas, que precisaram mobilizar toda sua crença e coragem para lutar contra inimigos, mas que só seriam realmente vencedores quando se deixassem levar por naus construídas daquilo que os sonhos são feitos, em uma extraordinária aventura espiritual para a qual precisavam preparar a alma.

Conseguir ultrapassar todos os obstáculos que separam um jovem formando do Ensino Médio do início de um curso superior em uma grande universidade do país é um feito que também envolve uma verdadeira guerra. Guerra material, que exige conhecimento concreto e horas diárias de aperfeiçoamento técnico, e guerra espiritual, que contempla autoconhecimento, controle psicológico e capacidade de concentração. Batalhas que só podem ser vencidas se houver a predisposição ao mergulho em um mar repleto de perigo e insegurança. Vale a pena?

"Tudo vale a pena, / se a alma não é pequena." Mais do que contribuir para a sonhada vaga na USP, a leitura de Fernando Pessoa convida o jovem vestibulando a conhecer e superar seus bloqueios pessoais mais assustadores, a exemplo dos vários personagens de Mensagem. São trajetórias em que temos que atravessar muitas montanhas, empurrando pedras que insistem em sempre voltar ao ponto inicial. Que o Quinto Império, profetizado por Daniel na Bíblia, também surja no horizonte de um Brasil mergulhado em um mar de tristeza e desesperança. Afinal, "Navegar é preciso / Viver não é preciso". Naveguemos, sísifos! É para dentro que se olha e por dentro que se expande em tempos de introspeção e silêncio. Com a companhia de Fernando Pessoa, a viagem nos conduzirá rumo a um desconhecido e surpreendente oceano ao qual Deus o perigo e o abismo deu, mas em que também espelhou o céu.

Sobre os Autores

O Dicas de Vestibular é produzido e atualizado pelos professores do Anglo Vestibulares e do Sistema Anglo de Ensino.

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Neste espaço, o estudante encontra temas da atualidade, conteúdos que mais caem nas provas e dicas para se sair bem nos processos seletivos e no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). O conteúdo também é útil aos interessados em provas de concursos.

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