história – Dicas de Vestibular http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br Neste espaço, o vestibulando vai encontrar orientações, conteúdos que mais caem nas provas e dicas para se sair bem nos processos seletivos e no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). O conteúdo também pode ser útil aos interessados em provas de concursos. Fri, 31 Mar 2023 16:58:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Como o Iluminismo impactou a sociedade moderna? http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2022/12/15/como-o-iluminismo-impactou-a-sociedade-moderna/ http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2022/12/15/como-o-iluminismo-impactou-a-sociedade-moderna/#respond Thu, 15 Dec 2022 21:09:06 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2905 *Por Gianpaolo Dorigo, professor do Anglo Vestibulares

Talvez fosse melhor começarmos a reflexão mudando a pergunta para “Como o Iluminismo criou a sociedade moderna?” Um ponto de partida para buscarmos uma resposta poderia ser o texto de Kant, de 1784, “O que é Iluminismo?” Nele o filósofo alemão anuncia o projeto das luzes: dar autonomia ao ser humano, livrando-o ao mesmo tempo do pensamento dogmático e dos poderes exercidos “pelo trono e pelo altar”, isto é, pelos poderes político e religioso. Isto significa reconhecer a razão como única guia para a ação dos seres humanos, tanto no que se refere ao entendimento do mundo quanto às escolhas políticas.

Do primeiro caso, resulta a preponderância do conhecimento científico como guia mais adequado para orientar a ação do ser humano, sobretudo no trato com a natureza. Mitos, crendices ou a simples tradição perdem importância diante de um saber rigoroso e metódico, submetido à constante checagem e revisão crítica. Do terraplanismo à interpretação literal de textos religiosos, do horóscopo ao poder político hereditário, nada escapa ao olhar feroz da razão que promete emancipar o ser humano, livrando-o do charlatanismo e da superstição, colocando-o no caminho do progresso.

Do segundo caso, a filosofia política iluminista desenvolveu todo um projeto que resulta na afirmação de uma cidadania universal e da concepção de um estado soberano que representa os cidadãos e cujo pode se exerce em seu benefício. São herança da tradição iluminista as práticas políticas liberais, que resultaram no resgate e ressignificação de conceitos antigos como Democracia ou República, reinstituídos sob nova forma, valorizando-se eleições, constituição escrita, liberdade de expressão e separação de poderes (como forma de evitar o autoritarismo). A própria crítica ao liberalismo, que historicamente se apresentou sob a forma do marxismo, segue o projeto iluminista de busca de emancipação e de uma solução fundada em princípios racionais.

Todavia, há um impacto negativo da tradição iluminista. A construção da autonomia por cada ser humano – e o individualismo daí decorrente – gera situação de abandono ou não-pertencimento. Como resultado, busca-se a constituição de novos laços de comunidade, o que facilita a ascensão de discursos populistas que prometem o retorno a um passado mais seguro ou protegido. O saber torna-se pragmático, visto como simples meio para atingir objetivos materiais, por exemplo, através da destruição da natureza para usufruto humano. O saber pragmático esvazia o pensamento crítico, o que resulta em perguntas que ouvimos com tanta frequência nos dias de hoje: para que serve a Filosofia? Para que serve a História?

Finalmente, o Iluminismo e sua promessa de emancipação acabaram por “desencantar” o mundo. Sem espaço para o mistério – diante do discurso ininterrupto de uma razão que tudo explica – novas perguntas deixam de ser feitas. O Iluminismo acaba se transformando em seu contrário, no mito: promete uma explicação abrangente e definitiva do universo, mas que nunca dá conta de entender novos acontecimentos. Nas palavras do filósofo alemão Theodor Adorno, em texto de 1948, surpreendentemente atual: “Abandonando a seus inimigos a reflexão sobre o elemento destrutivo do progresso, o pensamento cegamente pragmatizado perde seu caráter superador e, por isso, também sua relação com a verdade. A disposição enigmática das massas educadas tecnologicamente a deixar dominar-se pelo fascínio de um despotismo qualquer, sua afinidade autodestrutiva com a paranoia racista, todo esse absurdo incompreendido manifesta a fraqueza do poder de compreensão do pensamento teórico atual”

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Dia da Consciência Negra (20/11) http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2022/11/18/dia-da-consciencia-negra-20-11/ http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2022/11/18/dia-da-consciencia-negra-20-11/#respond Fri, 18 Nov 2022 20:27:09 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2884 *Por Aline Pereira, professora do Anglo Vestibulares

O feriado de 20 de novembro foi criado para comemorar o Dia da Consciência Negra. Nessa data, em 1695, Zumbi dos Palmares, ícone de resistência contra a escravidão, foi morto. Mas o feriado só foi oficializado em 2011, 316 anos após a morte de Zumbi e 123 anos após a abolição da escravidão. Ressalte-se ainda que, desde 1971, a data já era usada como símbolo de resistência e luta por direitos, ou seja, até a sua oficialização passaram-se 40 anos. A que se deve tamanho intervalo entre esses acontecimentos?

A partir da dominação portuguesa na costa africana, a escravidão ganha um novo significado, pois se torna um negócio intercontinental a partir do qual milhões de pessoas são levadas de África para serem escravizadas. A escravidão já existia em  África, mas era resultante sobretudo de guerras e disputas por poder, sendo voltada a demandas internas, como trabalho doméstico e nas minas de ouro. Não havia um comércio de escravos como o implantado pelos europeus.

Trazidas à colônia, tais pessoas passavam por um processo de desumanização e, aos olhos dos colonizadores, tornavam-se objetos. Assim, uma pessoa poderia ser separada de sua família, negociada, transportada em condições precárias, ter o nome mudado e ser castigada. Os que conseguiam sobreviver a esse horror estabeleciam laços de identificação e resistência. Identificação por entenderem que, mesmo sendo de diferentes etnias, partilhavam de igual condição. Resistência porque, uma vez se identificando, passavam a lutar contra a escravidão de vários modos, desde a compra de alforrias até a organização de fugas e quilombos.

Um dos maiores focos de luta foi o Quilombo dos Palmares, um conglomerado de mocambos (refúgios) que se uniram sob a liderança de Zumbi, líder do maior dos mocambos, o de Macaco. Zumbi foi feito líder de Palmares em 1678 e assim permaneceu até a morte. Localizado na Serra da Barriga, no atual estado da Alagoas, o quilombo foi fundado em 1597 por escravos fugidos e resistiu a tentativas de destruição por quase um século. Sob a liderança de Zumbi, a resistência da população de Palmares se fortaleceu e acabou incomodando ainda mais as elites, que enviaram diversas expedições para destruí-lo. Durante as batalhas, destaca-se, além da atuação de Zumbi, a de sua companheira, Dandara, e de outros guerreiros, que preferiram morrer lutando a voltar para o cativeiro.

Após décadas de resistência, um exército liderado pelo bandeirante Domingos Jorge Velho invadiu e destruiu diversos mocambos, em novembro de 1695. Na ocasião, Zumbi e alguns companheiros escaparam. Organizavam-se para voltar à luta quando o líder foi capturado e morto, em 20 de novembro de 1695.

Até que, em 13 de maio de 1888, a escravidão é abolida. Desejar que apenas essa data seja celebrada é ignorar toda a luta anterior. É ignorar que, àquela altura, o número de escravizados estava bem reduzido e a escravidão já havia sido abolida em alguns locais, como na província do Ceará, que o fez em março de 1884. É ignorar, por fim, os jovens que, a partir de 1971, em plena Ditadura, passaram a reivindicar que 20 de novembro fosse celebrado como um marco da resistência da população negra à escravidão; uma data que serviria para motivar reflexões sobre as consequências de 300 anos de escravidão.

Respondeu-se assim à questão inicial sobre a demora da oficialização do 20 de novembro. Em síntese, o protagonismo da população negra e de abolicionistas foi ofuscado por pessoas que, a exemplo da Princesa Isabel, possuíam uma posição privilegiada e eram tidas como responsáveis exclusivas pela abolição.

O ideal é que reflexões sobre o Dia da Consciência Negra ocorram sempre e levem a ações de inclusão e reparação, bem como a medidas que responsabilizem e punam indivíduos que insistem em perpetuar o racismo e os crimes que dele nascem.

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O Bicentenário da Independência do Brasil http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2022/09/06/o-bicentenario-da-independencia-do-brasil/ http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2022/09/06/o-bicentenario-da-independencia-do-brasil/#respond Tue, 06 Sep 2022 16:42:57 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2836 *Por Raphael Amaral (Tim), professor do Anglo Vestibulares

Em 2013, o Museu Paulista da USP (mais conhecido como Museu do Ipiranga) fechou suas portas para realizar amplas reformas. Sua reabertura foi programada para ocorrer em setembro de 2022, precisamente durante as celebrações dos 200 anos da Independência do Brasil (1822). Um século atrás, devido às comemorações do centenário da independência (em 1922), a mesma instituição elaborou sua peculiar interpretação sobre a importância da participação paulista na formação do Brasil, enaltecendo a mitologia sobre os bandeirantes. No rico acervo histórico e artístico do Museu, o maior destaque continua sendo a pintura Independência ou Morte, feita por Pedro Américo em 1888.

Nessa obra, o artista não pretendeu atingir algum tipo de veracidade historiográfica. Ou seja, não foi seu objetivo fazer um retrato fidedigno sobre o que ocorreu em 7 de setembro de 1822, quando D. Pedro I, de passagem por São Paulo, anunciou seu rompimento com a metrópole portuguesa. Ao artista, tratou-se de elaborar uma narrativa visual virtuosa e heroica que enalteceu o gesto de ruptura do 7 de setembro como o grande marco de fundação nacional.

Esse imaginário, entretanto, foi muito além das intencionalidades do artista e pode ser notado mesmo no século XXI. Afinal, não há outra obra de arte que tenha moldado de forma tão intensa o imaginário da sociedade brasileira sobre a independência como a pintura de Pedro Américo. E a maneira como uma sociedade cultiva sua memória determina como ela constrói sua identidade. Sendo assim, quando uma narrativa limita um complexo processo histórico de independência a um único dia no qual um indivíduo (no caso, um heroico príncipe europeu) teria libertado sozinho toda uma nação a partir de seu intrépido gesto de rebeldia, o que isso diz a respeito da sociedade que celebra esse tipo de fábula infantilizada?

Além das “margens plácidas” do rio Ipiranga, em São Paulo, seria muito proveitoso também buscar entender melhor os eventos ocorridos no rio Paraguaçu, na Bahia, um dos locais de atuação da combatente Maria Quitéria na guerra de independência. Porém, quando a interpretação permanece enclausurada num conto de fadas protagonizado por um príncipe europeu libertador, qual é o espaço que resta aos eventos do 2 de julho de 1823 na Bahia? Essa data rememora a guerra ocorrida na região desde junho de 1822 (meses antes do “grito do Ipiranga), quando as tropas portuguesas que tentavam impedir a independência do Brasil foram derrotadas.

Tanto pela manutenção do regime monárquico e pela intensa utilização da escravidão negra nas próximas sete longas décadas, o país surgido em setembro de 1822 destoou do restante do continente. Sendo assim, uma memória inventada sem grandes complexidades, que insiste em individualizar rupturas históricas em determinados nomes que devem ser eternamente enaltecidos, não auxilia na compreensão das inúmeras especificidades da independência do Brasil e toda a desmesurada violência que abasteceu a posterior construção do Estado nacional, unificado territorialmente sob a autoridade da dinastia de Bragança.

Qual evento ocorrido em 2022 demonstra com precisão o que significa ser o Brasil? Imaginando um futuro, que Brasil seria interessante que fosse celebrado daqui a cem anos, em 2122? No presente, nesse bicentenário da Independência, os questionamentos sobre qual tipo de país tem sido construído desde 1822 (assim como quais foram os setores da sociedade que fartamente se beneficiaram das estruturas de poder estabelecidas desde então) provavelmente sejam mais relevantes do que realizar um conjunto de celebrações tão ruidosas quanto incapazes de significarem algo que aprimore as reflexões sobre o que fazer com esse Brasil.

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A importância do Dia da Consciência Negra http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2021/11/19/a-importancia-do-dia-da-consciencia-negra/ http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2021/11/19/a-importancia-do-dia-da-consciencia-negra/#respond Fri, 19 Nov 2021 19:51:02 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2645 Símbolo do movimento negro

*Por Heitor Ribeiro, professor do Anglo Vestibulares 

Em 13 de maio de 1888, o Brasil, através da lei Áurea, encerrava o longo ciclo da escravidão oficial no país. Fomos o último país do continente a encerrar esse ciclo, que foi hegemônico no país por mais 300 anos. Nenhum de nós, hoje, pode entender efetivamente o que é pertencer materialmente a outra pessoa – podemos estudar, ler, até mesmo caracterizar o que é a escravidão e como funcionou, mas não sabemos o que é ser desprovido forçadamente de identidade e se tornar um objeto, uma mercadoria, uma coisa nas mãos de um outro.

Um período tão longo e com características tão importantes e estruturantes obviamente criou raízes profundas em nossa sociedade, e, quando falo raízes profundas, vou muito além da desigualdade social, das diferenças salarias e de posições de poder entre negros e brancos – que são, sim, objetos reais e importantes de serem corrigidos. Me refiro a toda a relação cultural e ideológica que contribuiu para segregar e limitar a cidadania da população negra, o racismo.

O Brasil não foi o país a criar o racismo, mas somos, sim, como fruto dos mais de 300 anos de escravidão, responsáveis por um Direito lombrosiano, pela formação de uma República que não buscou ações de reparação, pela perseguição às religiões de matriz africana e pela facilidade com que aceitamos a pobreza entre a população negra e a violência contra ela. Somos um país racista. E essa violação cultural e ideológica é um obstáculo tão – quiçá mais – difícil de transpor quanto a desigualdade econômica; uma vez que os três séculos de escravidão foram responsáveis não somente por definir a posição econômica do escravizado, mas por também suprimir sua língua,  sua fé, impedir a formação de famílias – observe-se que os filhos gerados por escravos eram também escravos dos senhores e podiam ser comercializados e violentados das mesmas formas que os adultos –, distanciá-los da educação e lhes impor padrões ideológicos e étnicos radicalmente distintos dos que existiam em suas comunidades. E é por isso que é preciso falar sobre a importância do 20 de novembro.

20 de novembro, data escolhida para celebrar o Dia da Consciência Negra, marca o aniversário da morte de Zumbi, líder do quilombo dos Palmares, destruído por atuação de bandeirantes em 1695. Tal escolha é emblemática, pois Palmares e Zumbi representam a resistência da população negra ao modelo escravista que era imposto, mostrando que, desde o período colonial, a população de origem africana não foi passiva quanto à sua escravização e buscou, com os meios que tinha à época, diversas maneiras de resistir à situação. Assim, data também visa dar visibilidade à luta daqueles que foram escravizados e contribuíram para o fim da escravidão no Brasil.

O Dia da Consciência Negra foi pensado não apenas para motivar a reflexão da situação da população afro-brasileira no país e de quais caminhos devemos seguir para superarmos essas barreiras que ainda são colocadas, ele é um reflexo das lutas da população negra, por mais espaço, inclusão e respeito. Não é uma data que foi dada, e sim conquistada. Tampouco é um dia para se celebrar, é um dia para lembrar, pois lembrar também é resistir e, de alguma forma, devolver a autoestima e a confiança às pessoas que as tiveram constantemente roubadas, seja através dos séculos de escravidão e tráfico negreiro, seja através das práticas, às vezes veladas, do racismo.


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A Primavera Árabe http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2021/05/20/a-primavera-arabe/ http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2021/05/20/a-primavera-arabe/#respond Thu, 20 May 2021 15:29:36 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2527 Por Gianpaolo Dorigo, professor do Anglo Vestibulares

Primavera Árabe é o nome dado a um conjunto de manifestações populares, levantes sociais e revoltas políticas que abalaram o mundo árabe a partir de 2010 e ao longo da década seguinte. Ela atingiu diversos países árabes tanto no oriente Médio quanto no norte da África, e seus efeitos são sentidos em muitos deles até hoje.

O movimento foi caracterizado pelo caráter antiautoritário — reforçado pela intolerância com a corrupção reinante em muitos regimes dos países envolvidos — e pelo ciberativismo, isto é, utilização em larga escala de meios digitais (por exemplo, redes sociais) para divulgação e articulação do movimento. Quanto ao caráter democratizante, este deve ser matizado, tendo em vista a forte influência da religião nesses países, o que acaba trazendo dificuldades na criação de um regime laico.

A início da Primavera Árabe ocorreu na Tunísia, no final de 2010, quando o jovem Mohammed Bou-Azizi promoveu um protesto dramático: ateou fogo em si próprio, como forma de protesto contra autoridades policiais corruptas que extorquiam propina do pequeno negócio familiar que mantinha. O evento foi o estopim da Revolução Tunisina, resultando na derrubada do regime de Zine El Abdini Ben Ali, que governava o país nos últimos 23 anos, seguindo-se a democratização do país.

Já em países como Líbia e Síria, a Primavera Árabe instaurou prolongada guerra civil, que continua até hoje. Na Líbia, o ditador Muammar Kadafi — no poder havia 42 anos — foi derrubado e assassinado, inaugurando um prolongado período de instabilidade, que inclui a fragmentação do país nas mãos de diversos grupos (inclusive étnico-tribais) e a instalação e atuação em larga escala do grupo fundamentalista terrorista Estado Islâmico. Na Síria, a situação foi desesperadora, com a tentativa de derrubada de Bashar Assad — presidente desde o ano 2000, filho de Hafez Assad, que permaneceu 29 anos no poder — desencadeou violenta e prolongada guerra civil, que devastou o país, promoveu um maciço fluxo de refugiados e provocou a morte de quase meio milhão de pessoas.

No Egito, em 2013, o presidente Hosni Mubarak (30 anos no poder) foi derrubado e, em seguida, julgado e condenado por corrupção. Iniciou-se um prolongado período de instabilidade política, no qual a construção de novas instituições foi seriamente questionada, sobretudo pela liderança das Forças Armadas no processo, forças que apoiavam Mubarak até sua queda. Grupos islâmicos como a Irmandade Muçulmana têm criticado o novo regime e boicotado sistematicamente as eleições, que levaram ao poder o presidente Abdel Fattah el-Sisi, por duas vezes, nos pleitos de 2014 e 2018.

Argélia, Iêmen, Iraque, Jordânia, Líbano, Bahrein, Marrocos, Sudão, Omã e Kuwait também presenciaram agitações desde 2010, em maior ou menor escala. Como principal consequência da Primavera Árabe, pode-se observar a crescente instabilidade política da região e o enfraquecimento do mundo árabe, mais do que nunca incapaz de articular políticas ou iniciativas comuns em política internacional. Além disso, o colapso do estado em diversos países árabes acabou resultando no reforço das autoridades islâmicas, à medida que a religião passou a ser, em muitos casos, uma forma alternativa de agregação da população em comunidade.

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O 20 de novembro e a consciência que o Brasil precisa ter http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2020/11/20/o-20-de-novembro-e-a-consciencia-que-o-brasil-precisa-ter/ http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2020/11/20/o-20-de-novembro-e-a-consciencia-que-o-brasil-precisa-ter/#respond Fri, 20 Nov 2020 14:55:40 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2384 Por Rene Araújo, professor do Anglo Vestibulares

Em 10 de novembro de 2011, por meio da Lei nº 12.519, o dia 20 de novembro foi oficializado como dia da Consciência Negra no Brasil. A data tem como base a morte, em 1695, de Zumbi – líder do Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência negra e da luta contra a escravidão brasileira.

Desde a década de 1970, o Movimento Negro reivindicava a data do assassinato de Zumbi como dia de reflexão e debate acerca da condição social e da identidade do negro brasileiro. Esse debate sempre se mostrou necessário e ainda tem muito a avançar em um país onde ver o negro “pobre, preso ou morto já é cultural”, como cantaram os Racionais MC’s na música “Negro Drama”, lançada em 2002. Afinal, em um país que teve o regime escravocrata por mais de três séculos e que, mesmo após o fim deste, não se preocupou em garantir as devidas condições para a inclusão dos negros no mercado de trabalho emergente, a discriminação e a desigualdade racial serão um dos seus principais problemas a resolver.

Essa marginalização histórica mostra-se atual quando observamos mais atentamente o modo como são dadas as relações políticas, econômicas, jurídicas e sociais em nosso país. Qual a situação atual do povo negro no Brasil? Como se deu, histórica, social e economicamente, essa situação? Como se manifesta o racismo em nossa sociedade? Por que o discurso da “democracia racial” se constituiu apenas no discurso e não na prática? São vários os questionamentos que devem ser feitos em um país que apresenta índices de exclusão e desigualdades que não podem ser, em hipótese alguma, ignorados por nós, cidadãos, e pelo poder público.

Em um ano com inúmeras manifestações antirracistas ao redor do mundo – decorrente do assassinato de George Floyd, nos EUA –, a questão racial recebe holofotes, levantando discussões sobre a recorrente violência policial contra a população negra, a persistência da sua exclusão e vulnerabilidade social como consequências do racismo estrutural da nossa sociedade e a falta de representatividade de negros e negras em diversos espaços sociais, como na política e na mídia. Todavia, mesmo com a instituição da data comemorativa, os problemas persistem: para se ter uma ideia da receptividade da data, em 2019, apenas 832 (dos 5.570 municípios brasileiros) reconheciam a data como feriado, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Promoção da Igualdade Racial.

Diante desse cenário, o dia da Consciência Negra torna-se ainda mais importante, não apenas para os negros, mas, sim, para toda sociedade brasileira. Não, claro, que a implantação do feriado seja garantia de conscientização, mas isso indica a dificuldade ainda existente na sociedade brasileira de olhar mais atentamente para a sua história. É preciso, conforme a data objetiva incentivar, refletir sobre a formação do Brasil, toda a contribuição negra, sua identidade e os desafios que ainda impedem a criação de uma sociedade mais inclusiva, democrática e justa para todos. É, sim, necessário olhar para o passado, para que seja possível compreender o presente e mudar o futuro, para que este, de fato, não tolere o racismo e qualquer outra forma de preconceito, como ainda ocorre hoje.

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Como debater o racismo através do cinema? http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2020/08/21/como-debater-o-racismo-atraves-do-cinema/ http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2020/08/21/como-debater-o-racismo-atraves-do-cinema/#respond Fri, 21 Aug 2020 17:00:33 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2292 Por Rene Araújo, professor do Anglo Vestibulares

Em maio de 2020, com o brutal assassinato de George Floyd por um policial branco, inúmeros protestos eclodiram nos EUA e em outros países, reafirmando que “vidas negras importam”. O movimento Black Lives Matter denuncia, desde 2013, o racismo presente na sociedade norte americana e a condição de exclusão e violação da população negra naquele país.

Observamos que, no Brasil, as condições dos negros também são adversas e marcadas por constante marginalização, pobreza e violência – de forma intensa e naturalizada pela sociedade. São inúmeros casos de violações de direitos e agressões físicas, simbólicas, econômicas, culturais e institucionais, que organizam e estruturam o tecido social brasileiro.

Como nos explica o professor Silvio Almeida, essa realidade é construída em torno de um racismo estrutural, dado por um processo histórico e político, que atua nas mais diversas dimensões da vida social: na economia, no direito, na política, entre outros. Desse modo, o racismo cria exclusão, mas também cria poder. E é esse poder que, para manter a si mesmo, garante a manutenção do racismo e das mais perversas consequências.

Por ser tão presente na realidade, a questão racial já foi abordada em vários filmes, séries e documentários. Em “No calor da noite” (1967), levanta-se a discussão sobre como, no imaginário de muitas pessoas, os negros são suspeitos e precisam provar sua inocência o tempo todo, como o racismo sistematiza as relações sociais, a desconfiança, a agressão e o preconceito moldam a forma como os negros são tratados. Isso também é abordado em diversas produções culturais, por exemplo “Olhos que condenam” (2019), série dirigida por Ava DuVernay, responsável também pelo filme “Selma: uma luta pela igualdade” (2014), que trata da vida de Martin Luther King, e pelo documentário “13ª Emenda” (2016), que problematiza o fim da escravidão nos EUA e o encarceramento em massa dos negros. “Faça a coisa certa” (1989), de Spike Lee, retrata a falta de investimento e de políticas públicas nas comunidades majoritariamente negras, além da violência policial, precarizando as condições de vida desses grupos, seja nos guetos dos EUA, seja nas favelas brasileiras.

No Brasil, muitas produções retratam a nossa desigualdade social, e não há como separar esta da questão racial. Uma obra relevante é o filme “Quanto vale ou é por quilo?” (2005), que relaciona o comércio de escravos no Brasil do século 18 com a atual condição de miséria e exploração da população pobre e negra. Vale destacar também a série e o filme “Cidade dos homens”, que traz a história de dois jovens amigos, moradores de uma favela carioca e cercados por barreiras sociais, julgamentos e preconceitos da classe média branca e a violência física e psicológica causadas pelo tráfico e pela polícia.

Essas são algumas dicas que podem levar a reflexões sobre o tema e a uma melhor compreensão de como o racismo estrutura as nossas relações sociais.

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Movimento antifascista pelo mundo http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2020/07/23/movimento-antifascista-pelo-mundo/ http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2020/07/23/movimento-antifascista-pelo-mundo/#respond Thu, 23 Jul 2020 16:55:42 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2259 Por Heitor Ribeiro, professor do Anglo Vestibulares

O final da Primeira Guerra Mundial trouxe consigo, além de traumas e impactos econômicos, a descrença nas instituições e nos partidos tradicionais, que, somada ao medo vermelho – preocupação de diversos países europeus com o avanço de ideias comunistas e socialistas como ocorrido na Rússia –, criou um cenário que permitiu a ascensão de partidos e grupos de extrema direita. Na década de 20, houve a ascensão do Partido Fascista de Benito Mussolini, na Itália, criando uma nova corrente política, que ganharia muitos adeptos dentro e fora da Europa.

O Fascismo foi uma proposta totalitária, baseada em uma ditadura de partido único, cuja ideia não se diferenciava da de Estado: ser contra o governo fascista era como ser contra a própria Itália ou os italianos. Além disso, há a figura de uma liderança carismática, um nacionalismo exacerbado, defesa do militarismo, valorização da guerra e de uma proposta anticomunista, antidemocrática e antiliberal, que utilizou sistematicamente a violência (seja do próprio Estado, seja de suas milícias) para eliminar opositores. Obviamente não tardou para que esses opositores começassem a se organizar e propusessem um movimento mais coletivo, abarcando diferentes ideais, mas tendo em comum a rejeição ao Fascismo e disposição a combater o avanço deste. Nasce assim, ainda na década de 20, o Antifascismo.

Em sua origem, contou com a atuação principal de grupos anarquistas, comunistas e socialistas – aliás, devido a isso, tradicionalmente se usam como símbolo antifascista as bandeiras preta e vermelha juntas, representando a união dessas ideologias, em uma variação da frente única alemã Antifaschistische Aktion. Ainda, também participaram, em menor escala, grupos políticos mais moderados, como sociais-democratas e republicanos que estavam dispostos a se armar e lutar contra o Fascismo. Apesar de ideologicamente diferentes, eles entendiam que era necessária tal união de forças por uma causa urgente e maior.

Esses movimentos ganharam mais corpo na Itália e Alemanha, com o intuito de combater, respectivamente, o Fascismo e o Nazismo, mas foram transpostos para outros Estados, como Espanha, França, Iugoslávia, EUA e até mesmo no Brasil. Desse modo, adquiriu características e pautas de acordo com a realidade de cada lugar. Não existe, portanto, um único modelo de antifascismo, ele, por exemplo, não se restringe ao enfrentamento militar direto, mas também através de uma produção política, intelectual e artística.

Atualmente, o Antifascismo volta às discussões cotidianas, quando grupos heterogêneos buscam se posicionar contra autoridades com discursos ou práticas políticas considerados autoritários, xenofóbicos e racistas. E, embora existam agora divergências políticas e discussões sobre as cores ou os símbolos utilizados e ressignificados, elas não devem suplantar a razão por trás da criação desse movimento: a ideia de congregar diferentes pessoas e ideias contra um inimigo comum, o fascismo.

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Existe Algum Monumento Que Deva Ser Eterno? http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2020/07/17/existe-algum-monumento-que-deva-ser-eterno/ http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2020/07/17/existe-algum-monumento-que-deva-ser-eterno/#respond Fri, 17 Jul 2020 17:37:02 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2252 Por Raphael Tim, professor do Anglo Vestibulares

Em 2016, quando estudantes exigiram a retirada da estátua de Mahatma Gandhi da Universidade de Acra (Gana), o gesto surpreendeu quem considerava o líder indiano apenas um ícone da paz. A surpresa diminuiu conforme houve uma maior visibilidade às posturas racistas que Gandhi adotou por décadas (destacadamente às pessoas africanas), e a estátua foi removida em 2018.

As exigências pela retirada de monumentos que celebram personagens cuja história foi erguida à custa de sofrimento não começaram em 2020. Porém, as mobilizações antirracistas globais, impulsionadas pelos assassinatos de pessoas negras, impulsionaram esse debate. Os monumentos alvos de protestos seguem um perfil: são homenagens a homens, brancos, dominadores (ou seja, que colonizaram povos, ou foram responsáveis diretos por uma intensa carga de opressão sobre uma população), erguidas entre os séculos XIX e XX.

Em junho de 2020, no Reino Unido, em Bristol (Reino Unido), a estátua de Edward Colston foi mergulhada no rio Avon. Colston era um destacado membro da Royal African Company (uma das mais importantes companhias de tráfico negreiro da Europa). No mesmo país, a Universidade de Oxford decidiu remover o monumento a Cecil Rhodes, provavelmente o maior nome do imperialismo britânico sobre a África. Outro monumento a Rhodes, que em 1934 fora erguido na Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul), desde 2015 já havia sido removido.

A estátua do rei da Bélgica, Leopoldo II, também foi retirada de uma praça na Antuérpia. É a mesma cidade portuária que recebeu toneladas de marfim e borracha do Congo, quando este país ainda era uma colônia belga. A atuação direta de Leopoldo II nessa colonização gerou um dos maiores genocídios da história contemporânea.

Em Barcelona (Espanha), o monumento original a Antonio López y López (empresário enriquecido com o tráfico negreiro) já havia sido derrubado pelos anarquistas durante a Guerra Civil Espanhola. Reerguida pela ditadura de Francisco Franco, a estátua foi definitivamente removida em 2018. Nesse mesmo raciocínio, em 2019, o governo de Madri retirou o caixão de Franco do Valle de Los Caídos e enviou os restos do cadáver a um cemitério comum. Essa medida teve por objetivo por fim às peregrinações fascistas que ocorriam em Los Caídos pelos saudosos do franquismo.

O que leva um grupo da sociedade a querer homenagear alguém? Esse indivíduo, com suas realizações, favoreceu à população como um todo ou apenas um grupo específico? Qual é o perfil político e social predominante entre quem defende que esse tipo de monumento deva ser mantido exatamente como está? Que tipo de sociedade considera válido homenagear indivíduos cujas ações glorificadas significaram a tirania sobre outras pessoas? Qual seria a reação da população de Tel Aviv (Israel) se fosse erguido um “monumento ao soldado nazista” na cidade?

Nos Estados Unidos, o Museu de História Natural de Nova York anunciou, em junho de 2020, a retirada do monumento ao presidente Theodore Roosevelt de sua entrada. Além da política externa de “Ted” Roosevelt ter sido desastrosa à América Latina, ele foi um entusiasta do massacre sobre povos negros e indígenas dos EUA. Ainda no país, em Charlottesville, ocorreu em 2017 o maior movimento neonazista da América no século XXI (o “Unir a Direita”), convergindo supremacistas brancos em defesa do monumento ao General Robert Lee, escravocrata líder dos confederados na Guerra de Secessão.

Os movimentos de contestação a esse tipo de monumento não querem apagar a história. Não foi exigido, por exemplo, o fim da cidade de Ouro Preto (MG), cujo patrimônio foi erguido basicamente com trabalho escravizado, ou de Brasília (DF), cuja construção ceifou incontáveis vidas de operários ultra-precarizados (à época chamados de “candangos”). Eles repudiam um tipo específico de homenagem feita a homens brancos dominadores. Esses movimentos alertam que a mudança de mentalidade demanda rupturas com um passado de tolerância à celebração de genocidas.

A contestação a esses monumentos aponta que eles devem ser preservados em outros locais, não em espaços públicos para glorificar as ações desses indivíduos. Podem ser encaminhados a museus, ou pode até ser criado um parque especificamente para eles, como é o caso Szoborpark, em Budapeste (Hungria), que desde 1993 preserva monumentos do período soviético.

Esses monumentos foram feitos, em verdade, por meio de um grave revisionismo histórico: apagando memórias dos povos dominados e contando apenas a história dos dominadores a partir da celebração de indivíduos heroicizados. Além disso, eles impõem ao presente sua aceitação e um silenciamento (pois a aura de eternidade construída em todo deles rejeita que sejam removidos e até mesmo questionados).

Para não ser apagada, a História demanda que diferentes narrativas sejam contrapostas. Dessa forma, devemos nos questionar: manter as mesmas narrativas datadas e ultrapassadas sobre esses personagens é o melhor que nossa sociedade consegue oferecer? É esse tipo de memória que nossa época pretende legar ao futuro?

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Como as históricas pandemias são cobradas nos vestibulares http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2020/04/30/como-as-historicas-pandemias-sao-cobradas-nos-vestibulares/ Thu, 30 Apr 2020 20:37:56 +0000 http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/?p=2195 *Por Gianpaolo Dorigo, professor de História do Anglo Vestibulares

Uma prova de História não é uma prova de Atualidades, e isso é válido tanto para o ENEM quanto para os grandes vestibulares. Todavia, temas ou preocupações contemporâneas podem servir de pretexto para investigar situações semelhantes no passado, e isso é recorrente em diversas avaliações. Nesse contexto, chamam a atenção dois importantes acontecimentos: a peste negra de 1347 e a gripe espanhola de 1918-1919.

No caso da Peste Negra, é importante relacionar a expansão da pandemia com a dinamização da grande rota comercial que ligava a Europa à Ásia (via mediterrâneo e rota da seda) ocorrida nos séculos finais da Idade Média. Pela grande rede de caminhos terrestres e marítimos que atravessava esses espaços circulavam mercadorias e pessoas, riquezas e germes – quase uma antecipação do processo de globalização que vivemos. É importante destacar também o processo de urbanização ocorrido nesse período, sobretudo na Europa, e que resultou na construção de cidades “atravancadas”, em que predominavam condições de higiene precárias, adequadas à expansão de doenças.

No caso da gripe espanhola, é necessário relacionar a pandemia com o contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que promoveu uma ampla circulação de efetivos militares em todo o mundo (na casa de milhões de soldados, além de refugiados), bem como com as condições insalubres das trincheiras, tão características desse conflito. Aparentemente, o vírus da gripe espanhola teria surgido em 1917, no Kansas, região conhecida pela criação de gado, e transferido para a Europa junto com os soldados do exército dos Estados Unidos. A doença disseminou-se em meios às trincheiras e, com o final da guerra, tornou-se uma pandemia, com a desmobilização das tropas (que voltaram para seus países de origem), libertação de prisioneiros de guerra e movimento de refugiados – na medida em que os tratados do pós-guerra criavam novas fronteiras.

Na gripe espanhola, ocorreu uma importante politização da enfermidade: durante a guerra, era necessário que a existência de uma epidemia não fosse de conhecimento do inimigo. Dessa forma, muitas medidas sanitárias simplesmente não foram tomadas. O próprio nome da gripe, “espanhola”, foi consequência dessa situação: como a Espanha foi um dos poucos países europeus não envolvidos no conflito, as notícias sobre a epidemia eram divulgadas abertamente, dando a impressão de que a doença só existia nesse país.

Convém lembrar também a relação entre o desenvolvimento e mutações de vírus em áreas de criação de mamíferos (gado bovino, suíno etc.). Se, por um lado, essas criações acabam resultando em problemas de saúde, por outro, o organismo das populações que convivem com elas acaba por desenvolver defesas. Como consequências, populações que não se dedicam a esse tipo de criação em larga escala são menos propensas às doenças, mas, ao mesmo tempo, mais frágeis quando em contato com aquelas trazidas de fora – o que se verificou de forma dramática entre as populações nativas da América em seu contato com europeus.

Ainda no contexto da politização da saúde pública, chamam atenção os episódios que resultaram na Revolta da Vacina em 1904, no Rio de Janeiro. Como se sabe, a criação da lei de vacinação obrigatória contra a varíola foi o estopim do movimento, que se manifestou através de grande participação popular. Outros fatores explicam a revolta contra a vacina, como a urbanização do Rio de Janeiro, e o consequente deslocamento forçado da população mais pobre do centro para a periferia, com o objetivo de construir novas avenidas e monumentos. Mas é importante acrescentar o fato de que grupos de oposição florianistas (afastados do poder desde 1898) e positivistas se aproveitaram da situação para tentar se rearticular, ocorrendo inclusive uma sublevação da Escola Militar da Praia Vermelha durante a revolta.

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