Gerundismo
Por Daniel Fonseca, professor do Anglo Vestibulares
Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, mas estou aqui, escrevendo sobre gerundismo.
Antes de mais nada, cumpre esclarecer que gerundismo é o uso inadequado de verbos no gerúndio. No dia a dia, ouvimos frases como: "Você precisa estar pagando um boleto", "eu vou estar ligando para você amanhã". Não seriam mais simples e eficazes as frases "você precisa pagar um boleto" e "eu ligarei para você amanhã"?
O problema não é o gerúndio em si mesmo, mas o exagero, a aplicação desnecessária, a vulgarização. Nada contra essa forma que, inclusive, diferencia-nos um pouco dos portugueses no trato com a língua: aqui, nós estamos falando, vivendo…; lá, via de regra, eles estão a falar, a viver… Ou seja, o gerúndio faz parte do charme brasileiro no uso do idioma e seu emprego se justifica sempre que se quer expressar que uma ação está em curso, está em processo de realização. É o que ocorre nos versos de Chico Buarque: "Muita careta pra engolir a transação/ E a gente tá engolindo cada sapo no caminho/ E a gente vai se amando, que, também, sem um carinho/ Ninguém segura esse rojão". O gerúndio manifesta que, na época, período de ditadura, estavam em curso duas ações, antagônicas: a de amar, para compensar os sapos que se havia de engolir.
Os exames vestibulares estão atentos ao tema, e questão recente da Fuvest pedia para o candidato dizer se havia uso abusivo do gerúndio no aviso: "Sorria, você está sendo filmado". Para responder, precisamos nos perguntar: ao nos depararmos com essa frase, a ação de filmar está em curso? A resposta é sim, é exatamente isso que se procura avisar. Então, não ocorre gerundismo.
Anos antes, a mesma Fuvest propôs análise do verbo "transferindo", no trecho: "O senhor pode estar aguardando na linha, que eu vou estar transferindo a sua ligação". Nesse contexto, a ação de transferir é pontual, não permanecerá em curso. Além disso, a substituição por "vou transferir (ou transferirei) sua ligação" não traria prejuízo algum para o sentido, pelo contrário, seria mais clara e concisa do que o original. Há, portanto, gerundismo nesse outro caso proposto pela banca.
Por fim, talvez o leitor esteja questionando a razão para o início inusitado desta publicação. Não me aborrece nem envergonha escrever sobre nossa língua. No entanto, é tão comum que a discussão sobre gerundismo incite comentários depreciativos contra as pessoas que dele se valem, que hesitei em escrever um texto de caráter prescritivo sobre o tema. Por um instante, tive a sensação de tomar parte nessa baixeza. Mas foi só por um instante: a discussão sobre a norma-padrão não pode pagar pelos tolos, que dela se valem para humilhar.
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